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dudesiuffo

Como já dizia Heráclito...

Passei pelo IAMSPE hoje. 

Estava a caminho da competição quando olhei pela janela do carro e vi a enorme entrada do hospital. 

Grandes janelas, protegidas por algo como uma tela escura, preenchiam a lateral do prédio. Voltavam-se para uma pequena praça na área verde do hospital, com árvores grandes e um canteiro delicado.

O engarrafamento me congelou neste cenário por alguns instantes. Entediada, deixei meus pensamentos me levarem a você, como uma forma de distração.

Pergunto-me se, atrás de alguma dessas janelas, você estaria dentro do centro cirúrgico, ou talvez preparando o paciente para o procedimento. Ou estaria na praça, aproveitando o curto intervalo que tinha durante os plantões?

Estava sozinho?

Depois daquela última conversa, não quis mais ver ou ouvir notícias suas. Não costumo bloquear ou utilizar medidas extremas para esquecer alguém, mas, dessa vez, foi necessário. A carne é fraca…

Disse a todos que a sua lembrança e a sua sacanagem não haviam me afetado, mas eu menti. 

Durante um tempo, era até insuportável ouvir os meus amigos falarem de residência médica. E quando falavam de cirurgia, não mais compartilhava o que sabia sobre herniorrafia inguinal, nefrectomia ou gastrorrafia, porque falar dessas coisas nojentas me remetia às suas histórias loucas no centro cirúrgico.

Além disso, você ainda aparece nos meus sonhos e lembranças do nossos encontros vagueiam constantemente em mim. Droga, até após umas doses de coragem, seu nome ainda me vêm à mente ao final da noite. 

O que me alivia é saber que a intensidade do que senti por você é recíproca: ouvi dizer que tem tomado muitos co(r)pos para me esquecer. Fora que não é mistério de quem são as ligações desconhecidas de madrugada que recebo. E, quando vem à cidade, após todos esses meses, por que insiste em me procurar, mesmo que eu tenha rejeitado inúmeras vezes?

Há uma parte insana minha, completamente anti-feminista e de questionável amor próprio, que sente prazer em saber que você ainda pensa em mim. Conforta-me perceber que não esqueceu da menina com quem, ainda criança, prometeu se casar. 

Pergunto-me, contudo, se não estou somente testando os limites do meu autodomínio, esperando o momento em que finalmente vou ceder às suas tentativas de me encontrar ou que você não irá mais insistir no assunto. Digo que não quero mais te ver e talvez seja por saber exatamente como reagiria se te visse. 

Por essa razão, não posso deixar as minhas emoções me guiarem quando o assunto é nós dois. Porque você é o pior tipo de pessoa que já conheci e odeio a mim mesma por ainda ser capaz de te desejar. 

Li em algum lugar que interessar-se por quem sabidamente não presta revela que inconscientemente a pessoa gosta do que vê no outro: “Quem se alia ao mau caráter deseja ser como ele, mas não tem coragem o suficiente para fazer tudo o que ele faz.” 

Então é isso? Estou atraída pelo meu próprio espelho?

Continuo a refletir enquanto um grupo de médicos passa pela praça e meus olhos imediatamente escaneiam todos ali presentes. Nenhum deles é você

Talvez tenha sido a minha personalidade controladora que tenha me feito sentir tão atraída: gosto de consertar as coisas e de acreditar que tenho influência sobre alguém. Que minha opinião, minhas ideias, o meu jeito, eu mesma, são capazes de mudar uma pessoa. Eu sabia o tipo de homem que era desde o início e, prendendo-me a uma versão mais jovem sua, pensei que pudesse ultrapassar essa camada superficial a qual se prende hoje e (re)encontrar a sua essência, o menino doce que brincava comigo na escola. 

Ou, no final das contas, talvez sejam só as lembranças dos nossos encontros às 17:00.

À medida que o carro começa a andar, o motorista tenta puxar assunto com algum tema bobo para afastar o silêncio e eu o permito. Assim, distancio-me do hospital e de você, tentando deixar a sua memória para trás.

Em alguns meses, estarei de volta à cidade. 

Será essa a sua redenção e a minha perdição?

Só me resta esperar até lá.




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