Essa história é antiga, já registrada em inúmeras músicas, filmes e livros. Poderia dedicar qualquer um a esse dia, mas não farei isso hoje. Dessa vez, não haverá analogias à Delilah, a Jesse e Celine, ou a Allyson e Willem. Hoje, contarei sobre a minha aventura, com alguém que eu possivelmente nunca mais venha a encontrar.
A noite começou com o clichê “nossos olhares se cruzaram”, através de uma rápida apresentação por uma pseudoamiga em comum. Olhos pequenos, realçados por um cabelo longo e picotado, ele usava uma bermuda a qual definitivamente não combinava com a sua camisa. Mesmo assim, não pude deixar de notá-lo. Algo nele, em sua voz e seu jeito chamou a minha atenção, de tal maneira que foi necessário um empenho enorme para desviar o olhar.
Por isso, com uma breve conversa eu já desejava sair da festa e encontrá-lo em outras circunstâncias, sem aquele som horrível de música eletrônica ao fundo. Perguntaria qual o seu filme favorito de Tarantino, se se era tão fanático por brigadeiro quanto eu ou como consegue gostar de advogar (eca). No entanto, como as minhas amigas costumam dizer, é difícil me conquistar. Logo, seria necessário um esforço hercúleo para me tirar do ambiente, apesar de eu o estar odiando. Por outro lado, faltando apenas algumas horas para o meu retorno para casa, decidi, por um dia, sair do meu papel de difícil. Assim, ao receber um convite inesperado, não hesitei. “Vamos”, eu disse, ignorando todas as recomendações e alertas sobre não falar ou sair com estranhos, principalmente numa cidade desconhecida. Poderia estar sendo ingênua ou sentindo o efeito adrenalina, mas algo me dizia que aquilo era certo.
E era.
Os detalhes dos acontecimentos posteriores guardarei para mim mesma, pois, assim como ele, prefiro mantê-los desconhecidos. Entretanto, para os curiosos de plantão, saibam que foram, realmente, momentos fílmicos, certamente difíceis de esquecer. Não há explicação científica para a química existente, tampouco para tamanha conexão estabelecida. Por causa dele, pude sentir um vislumbre de paixão, ainda que somente por algumas horas.
Pergunto-me se o fato de saber que o romance tinha data de validade foi o que tornou toda a noite especial. Em parte, pode ter sido, mas a verdade é que ele foi a chave para o momento ter sido memorável: mostrou-me a melhor face de São Paulo, até então desconhecida por mim. Disse-me palavras sinceras, olhou no meu olho e era verdadeiro em cada toque. Não era fruto da minha imaginação, ele era real. E eu estava adorando.
Quando pensei que estivesse prestes a me apaixonar, porém, já era tarde. Então, a sua saída foi marcada por um misto de prazer e saudade. Nos despedimos inúmeras vezes até chegar ao último adeus, quando a cama ficou vazia sem ele e o quarto silencioso sem a sua presença. Não esperei que batesse à minha porta novamente, sabia que não faria isso. De que adiantaria voltar, se em poucas horas cada um de nós seguiria os seus rumos, em seus próprios mundos, sem a presença um do outro? Não, era melhor que fosse embora. Mais uma noite juntos e eu provavelmente teria me apaixonado por ele.
Já é terça-feira e estou no aeroporto, sonhando acordada. Ouço uma voz no alto-falante informando que um voo será cancelado. Não é o meu. No entanto, por um segundo, desejei que fosse. Se eu pudesse passar mais uma noite, um dia ou até uma semana aqui, talvez me fosse dada mais uma razão, para além da dança, para permanecer em São Paulo.
Embarco para Salvador sem fotos, registros ou sequer um telefone trocado. Volto para casa apenas com a certeza de que, neste dia, dois estranhos tiveram possivelmente a melhor noite dos seus verões. Pode ser que, no próximo final de semana ou daqui a alguns meses, já nem me lembre dele ou dessa história. Hoje, porém, seu rosto, seu sorriso e sua voz estão cristalinos em minha memória, de forma que não posso deixar para trás, pois mesmo passado o tempo, odiaria esquecer da única noite na qual São Paulo (quase) me deu um motivo para ficar.
PS: Delilah participou de turnês com Plain White T 's, Jesse voltou a Paris seis anos após a sua tarde com Celine e Allyson e Willem passaram um ano procurando um ao outro até se encontrarem novamente, na Holanda! Quem sabe essa história também não tem um final feliz?
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