“Este encontro está indo muito bem, nada pode estragá-lo.” Pensei, empolgada comigo mesma, admirando a figura grega em minha frente. Droga, eu não costumo ser superficial, mas esse cara com quem estou saindo é simplesmente lindo demais. Fora que, dado o meu histórico masculino, o qual é tristemente marcado por sobrepor personalidade sobre aparência, eu realmente estava precisando de um homem desse para melhorar a minha autoestima.
Definitivamente será uma noite memorável.
Ele é engraçado, gentil, e, assim como eu, gosta de falar sobre tudo (menos astrologia, claro). Estamos nos dando bem e sua presença é bem reconfortante. Estou, de fato, me divertindo neste encontro.
Até a nossa conversa ser interrompida pelo toque do meu celular.
Ambos olhamos, ao mesmo tempo, para o meu aparelho sobre a mesa e nos deparamos com um número desconhecido.
“Desculpa”, eu lhe digo, “Costumo deixá-lo no modo silencioso.”
“Sem problemas, pode atender.” - Ah, tão gentil!
“Eu não! É um número desconhecido.” -
“Mas e se for alguma de suas amigas ligando de um outro telefone?”. Ele questiona, recordando-me sobre o que tinha comentado mais cedo, de que as minhas amigas estavam em uma festa e o nosso combinado, nessas ocasiões, é sempre ligar uma para outra em caso de emergência.
UAU. Ele está mesmo atento a nossa conversa. 10/10.
Olho novamente para o celular, indecisa… Poderia ser mesmo A ou L… Imagina se acontece algo com elas, mas eu estava muito distraída com o Zeus na minha frente para atendê-las?! Não! Sororidade sempre!
Atendo rápido antes que pare de tocar.
“Alô? Quem é?” - pergunto rápido para me certificar de que é alguma das meninas
“Oxente, apagou meu número, foi?”
Congelo ao reconhecer a voz. Não é A nem L.
“Desculpa, quem está falando?” Finjo graça para o meu date, como se não soubesse quem está na outra linha.
“Apagou mesmo né? Tudo bem, é justo, eu entendo.”
Não, não entende. Não sabe o quanto era doloroso digitar o nome do meu chefe na lista de contatos e me deparar com a sua foto de perfil e a nossa conversa inacabada.
“Estou voltando para Salvador nesta madrugada. Queria te encontrar…”
Perco a minha postura.
Há algumas semanas, já vinha percebendo a sua tentativa de se reaproximar, curtindo e comentando as minhas postagens nas redes sociais. No entanto, não pensava que fosse algo a ser levado a sério. Parecia apenas uma tentativa de chamar a minha atenção para a sua existência, como se não quisesse que eu te esquecesse.
Por outro lado, alguns meses já se passaram desde que paramos de conversar (e desde que ele foi um idiota). Por que, agora, estaria me ligando?
Quer dizer que eu não era uma companhia boa suficiente no Rio, mas, aqui, sou? Será que ele está tão entediado naquela cidade solitária, que sente falta da única pessoa que lhe dava atenção enquanto definhava no trabalho?
Descarado.
Meses após a minha volta, deparo-me agora com a possibilidade de uma segunda chance, ao receber de surpresa essa ligação.
“D?”
Ouço a sua voz novamente e lembro que, por um bom período, desejei escutá-la de novo, ainda que fosse só para ouvir um pedido de desculpas, ou sentir um tom de arrependimento.
Durante todo esse período, nada veio. Apenas algumas mensagens inesperadas e as tentativas de ligação após os plantões, desejando me encontrar vaziamente. Não era um pedido de desculpas que eu receberia se o correspondesse, mas sim uma proposta descarada e petulante.
Com o telefone ainda em mãos, pergunto-me se, naquele dia, deveria ter lhe passado o meu endereço. Ou se deveria ter aceitado encontrá-lo de madrugada, só para ouvir o que tinha a dizer. Eu estava sozinha, numa cidade desconhecida. Poderia fazer mil escolhas erradas sem que ninguém soubesse. Contudo, anos de aperfeiçoamento da maioridade kantiana não me levariam a tomar más decisões, por mais curiosa que eu estivesse.
Ora, se, enquanto estava no Rio, não aceitei lhe encontrar quando tive a oportunidade, o que lhe faz acreditar que agora, aqui, eu aceitaria?
O quão irresistível ele pensa que é, para achar que ignorarei suas atitudes estúpidas do passado e lhe darei uma segunda chance?
Corrigindo: ontem, perguntei-me sobre as inúmeras possibilidades do nosso encontro. Neste momento, porém, recebendo essa ligação completamente aleatória e atrevida, sei que agi certo e, na verdade, não havia outra escolha a ser feita: nunca deveríamos ter nos encontrado e nunca vamos nos encontrar.
“D? Quem é?”
Dessa vez, sou interrompida dos meus devaneios pelo homem na minha frente, e não aquele do outro lado da ligação.
Olho para essa pessoa nova, que está aqui e me quer. Não só me deseja, mas me quer genuinamente. Ele vale o meu tempo e o meu coração.
Lembro-me do que havia pensado desde que nos cumprimentamos e entramos no restaurante. De fato, este encontro está indo muito bem, nada vai estragá-lo.
Finalizo a ligação e, com isso, ponho fim também a qualquer chance de reencontrá-lo. Lembro-me do alívio que senti ao descobrir cedo que F não tinha o coração igual ao meu, antes de entregá-lo. Por isso não chegou a partir: nunca foi dele para quebrar. No final das contas, não é alguém que vale o meu tempo.
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