Não há como negar que Nocturne op. 9 nº 2 ressoava nos meus ouvidos quando te conheci. E manteve-se assim por um bom tempo.
Quer dizer, não havia como não tocar, pois eu sentia estar imersa em um sonho. As primeiras notas introduziram o que eu acreditava ser o início de uma fantasia possível de se tornar realidade. Cartas, fotos, histórias nostálgicas e livros trocados marcaram a primeira batida destoante do meu coração, a qual, depois disso, repetiu-se incansavelmente, tal como a obra de Chopin.
Nos raros encontros juntos, não pude evitar pensar o quão fora da realidade você me levava. Não só isso, suas palavras grandes e eloquentes me encantavam, pois nunca tinha conhecido alguém com tamanha sensibilidade. Você era tudo o que queria e buscava, e veio até mim sem eu nem precisar te procurar. Você me encontrou.
Por isso, os acordes expressivos e oníricos da Nocturne op. 9 nº 2 ecoavam frequentemente em mim. Eram um lembrete da sua presença incessante no meu coração, na qual, a cada nota, se expandia ainda mais. Eu estava feliz com a perspectiva de nós dois e de, numa época de tantas incertezas, você ser a constante que faltava.
No entanto, em determinado momento, algo mudou.
De repente, encontrava-me na coda, e o arco de arpejo das oito notas delinearam não só o acorde dominante da Op 9, como também o final do meu sonho. Entretanto, ao contrário da música, fomos perdendo o compasso e a sintonia.
Nossos ritmos pareciam tão diferentes que foi como se, do nada, Moonlight Sonata tivesse invadido o meu sonho e instaurado uma cacofonia, sobrepondo-se a Nocturne, despertando-me uma espécie de tristeza que antes não sentia. Assim, finalmente, Chopin foi ficando cada vez mais distante, pois Beethoven interrompeu o meu sonho para declarar a perda da minha tão estimada utopia.
Parei de ouvir ambas as músicas.
Tornei-me silêncio e, por meses, esperei escutar Nocturne novamente, apenas para lembrar de você. É quase como se eu o tivesse guardado no fundo do armário, na esperança de que, um dia, pudesse tirar a sua lembrança da gaveta e sentí-la novamente.
No entanto, os anos passaram e você foi ficando cada vez mais empoeirado, ali, bem no cantinho, atrás de outros amores vividos. A sua recordação se distanciou tanto que virou memória e há um tempo já havia me esquecido de como era sentir saudades suas. Chopin sequer estava mais na minha playlist.
Por isso mesmo, naquela manhã de fevereiro, foi como se eu tivesse tirado o dia para limpar o armário e, surpresa, lá estava você, do mesmo jeito que deixei quando lhe guardei: ainda usando palavras difíceis, insuportavelmente sentimental e, o pior, apaixonante. Passei o aspirador no meu coração, ouvi o som do piano ao longe e pensamentos sobre você vieram à tona, nem todos desejáveis.
Lembro-me de você ter deixado claro que eu não era o que desejava e isso me fez chorar. E quando você se frustrou por eu não ser tão perfeita quanto você imaginava, murchei, porque pensei que fosse suficiente, independente das inúmeras diferenças, as quais, posteriormente, vieram a nos distanciar.
A ideia que tinha sobre mim se desfez e isso não lhe agradou.
Passados os anos, eu não deixei de ser quem sou.
Ainda sim, você me aceitaria?
Provavelmente não.
Talvez sejamos aquele tipo de amor (ou pseudo, já que nunca chegamos a tal fase) amaldiçoado, no qual estaremos para sempre condenados a imaginar o que poderia ter sido, se somente Mercúrio estivesse progressivo à época.
Por outro lado, naquele dia, foi ruim descobrir que o que você queria estava a três anos de atraso?
Pelo visto não, já que, mais uma vez, para minha decepção, você mostrou que o que sentiu por mim, de fato, não foi mais que um surto momentâneo, o qual, de quando em quando, vagueia em seus pensamentos. Por essa razão, não consegue evitar pensar na pequena bailarina que um dia lhe causou arritmia.
Mas, não se sinta tão só, a recíproca existe.
Esses dias, inclusive, fui flagrada por minha mãe cantarolando Chopin e ela riu, pois sabia o significado disso.
O coração ainda bate? - Pergunta, apesar de eu já ter entregue a resposta.
Não respondi. Apenas parei de cantar, fingindo que não pensava em você e que a memória de nós dois não mais me afetava.
Em vez disso, passei a refletir sobre o final de Nocturne e como ela nos recorda: os acordes finais servem como um alerta, um despertar para o breve devaneio que vivemos, declarando o final de algo tão lindo que não podemos evitar desejar vivê-lo novamente. Entretanto, assim como a música, não passa de uma representação onírica: é um sonho. Nada daquilo foi, de fato, verdadeiro.
Parafraseando uma outra canção, o nosso tempo chegou ao fim, a música terminou e já não tenho mais nada a lhe dizer. Restou evidente que não sou o que quer, tampouco desejo sentir que não sou suficiente.
Então, se você estiver se questionando se vale a pena me mandar mensagem enquanto tem uma revelação sobre si mesmo durante a madrugada, eu lhe respondo: não faça mais isso. Eu sou mais que um surto e mereço muito mais do que palavras grandes e vazias, que de nada servem se a sua atitude é completamente oposta ao que diz.
+ resound.forever Analysis of Frederic Chopin’s Op. 9, No. 2 (Nocturne In E Flat Major) (tumblr.com)
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