J. é tão sortuda…
G. gosta tanto dela, trata-a bem e a respeita. G. não se importa com as ideias malucas de J. sobre futuro e viagem no tempo, nem discute quando ela começa a tagarelar sobre Karl Marx ou George Lucas, mesmo não gostando de nenhum dos dois. G. não faz J. chorar, uma grande conquista, já que I., A. e R. foram responsáveis por longos períodos de escassez de lágrimas. G. tem um bom coração.
J. é tão sortuda…
G. é inteligente. É bonito, legal, emocionalmente estável e tem grandes chances de ter sucesso na carreira (nutricionista, claro). Não usa tantas gírias irritantes – como boa parte dos meninos da sua idade – nem deixa J. sozinha na praia para jogar altinha com os amigos (J., inclusive, tem sérias suspeitas de que esses amigos acham-na estranha, mas não comentam nada com G. porque ele gosta dela). Ah, G. é extremamente simpático: os amigos do grupo de artes cênicas de J. não reviram os olhos para cada frase que ele diz, algo bem raro para quem não pertence à turma.
J. é tão sortuda…
Sério, o que mais J. poderia querer além de uma relação tão maravilhosa quanto essa? Eu já perguntei isso para ela e tenho certeza que não fui a única. Todo mundo diz que eles formam um belo casal, que combinam de uma maneira peculiar e que são certos um para o outro. De fato, todos parecem adorá-los, exceto, talvez, a própria J.
"Mas eu não preciso adorar, né? Com o tempo, pode ser que meus sentimentos cresçam…" - Ela me disse. "Afinal, por que eu não gostaria de uma pessoa que é tão boa para mim? Seria possível encontrar alguém melhor? Não sei até quando a sorte estará a meu favor…"
O que me parece é que J. precisa afirmar constantemente o quão sortuda ela é, como se quisesse internalizar esse pensamento. Como se ela precisasse lembrar a si mesma que finalmente encontrou alguém certo em diversos sentidos. Alguém que não machucará seu coração. Ela não percebeu, no entanto, é que, apesar de G não a estar magoando, sua relação com ele estava.
No fundo, por trás do mantra “eu sou muito sortuda por ter G”, há um enorme medo de J. em se perguntar se ela está mesmo feliz e não gostar da resposta. Dói muito evitar essa pergunta. Ter sorte é bom. Entretanto, é muito melhor ter a felicidade conspirando a seu favor. Nesse momento, porém, acho que ela está contra J.
J. não é uma pessoa ruim, não gosta de magoar as pessoas e é, sobretudo, leal. Ela fez uma promessa a G. e não ousa quebrá-la. Mas, J., você pode desejar mais…
Não é o que parece: J. não é tão sortuda assim...
Mulher Chorando - Pablo Picasso
Às vezes é mega difícil sair de um relacionamento que aos olhos de outros parece perfeito e incrível,mas na verdade não é... precisa ter coragem pra enfrentar algo que não te faz bem,apesar de todos dizem que faz.