O ano era 2019.
Eu tinha acabado de entrar na faculdade e estava iniciando a minha fase Samantha Jones. Por isso, qualquer homem de terno que via entre os corredores me chamava a atenção, principalmente os formandos (oh, jamais houve uma turma de formandos tão lindos quanto naquele ano…). Então, quando vi o Sr. Jota, do sétimo semestre, meus olhos brilharam de êxtase.
Ahh, o Sr. Jota…
A minha primeira paixão do Direito, o homem com quem eu sonhava acordada todos os dias e torcia para encontrar entre o intervalo das aulas. Ele bebia nescauzinho, era alto e jogava basquete. Tudo nele parecia perfeito, desde a aparência até o jeito meio despojado - pelo menos, sob as lentes apaixonadas pelas quais eu o enxergava.
Lembro-me que passei o resto do ano obcecada. Pensava nele quando chegava e saía do campus, frequentava os piores eventos estudantis na esperança de encontrá-lo… Céus, eu descobri a sua música favorita e cantarolava pela faculdade para ele me ouvir!
Entretanto, nada parecia fazê-lo notar.
Disse a mim mesma que o fato de eu ser caloura e ele veterano era o motivo - para além de eu não estar em seu campo de visão, dada a nossa altura desproporcional - de ele não me conhecer e não termos a oportunidade de sermos apresentados.
Minha autoestima, porém, era (e ainda é) alta demais para ficar esperando uma atitude de alguém que sequer procurava saber da minha existência. Assim, já no final do ano, aceitei a minha derrota contra o Sr. Jota e segui em frente.
No ano seguinte, após duas semanas de aula e raríssimos olhares para ele na faculdade, veio a pandemia.
É. Se a minha esperança de um dia o Sr. Jota me notar na faculdade já era baixa, imagina de forma remota.
Nos últimos três anos, parei de pensar nele e até havia esquecido da sua existência. Imaginava que havia se formado e agora atuava como advogado recém-formado.
Até 2024.
Estava no meu último primeiro dia de aula, na matéria de prática trabalhista. Já conhecia essa professora e sabia que ela era chata com chamada. Logo, cheguei com bastante antecedência para não tomar falta.
Meia hora após o início da aula, a porta se abriu e, como uma miragem, lá estava ele.
O Sr. Jota.
Por um momento, fui levada de volta no tempo. Eu era, novamente, a caloura obcecada pelo seu veterano, amante de achocolatado e dono de um dos sorrisos mais aconchegantes que já tinha visto. Tão lindo, tão charmoso, tão…
Pera.
O que ele ainda está fazendo aqui?
Eu não sou mais caloura. Pelo contrário, eu me tornei a veterana de todos. Se, quando eu entrei, ele já era de semestres mais adiantados, agora que estou para me formar, o que isso faz dele?
Volto a realidade num pulo.
O Sr. Jota ainda não se formou?
Ele senta-se próximo a mim, de maneira que posso analisá-lo sem que perceba. Sua aparência entregava o fato de que ainda não havia tomado banho pela manhã: seu cabelo estava uma bagunça, sua roupa amarrotada e a barba por fazer. Ressalte-se, ainda, o fato de estar de calça E chinelo (para o meu horror!).
Senti uma parte de mim despedaçar-se ao olhá-lo. Esse menino, por quem eu fui tão apaixonada quando entrei na faculdade, agora era meu colega de sala, e se comportava como o estudante vagal que jamais pensei que fosse.
Ok, talvez eu esteja sendo um pouco rígida demais. É a UFBa. O que mais tem aqui é gente que atrasa a formatura. É quase impossível se formar no período correto diante de tantos eventos canônicos da universidade.
Mas é o Sr. Jota…
Encaro-o por alguns instantes, sem me importar em estar sendo indiscreta.
Talvez eu tenha me perdido na narrativa que criei sobre ele. O atleta, o artista MPB, o pseudointelectual de sorriso maroto… Pode ser que ele seja tudo isso, mas também há camadas menos profundas sobre sua personalidade que posso não ter notado, em virtude da realidade da sua ausência ter dado lugar à presença constante da ideia que criei sobre quem era.
No entanto, os seus detalhes reais, agora, se chocaram com a imagem que eu havia pintado. Durante a aula de prática trabalhista, o sr. Jota se tornou concreto e percebi que, na verdade, estava presa a sua versão inventada na minha mente.
Acabo de me desencantar da ilusão que criei sobre o Sr. Jota, e posso vê-lo com os olhos despidos de expectativas. O seu prolongado atraso para colar grau parece, no mínimo, desleixo - pelo menos, sob as lentes desapaixonadas pelas quais eu o enxergava.
A professora encerra a aula e observo-o sair da sala. O seu jeito de andar despojado, antes tão admirado por mim, agora me irrita e sua saída apressada soa desrespeitosa.
Levanto-me da cadeira e me retiro da sala. Enquanto caminho, chego à conclusão que o Sr. Jota não passou de uma paixão platônica da minha época de caloura. Não é ninguém especial.
Atravesso o corredor sem cantarolar São Gonça. Já até esqueci da letra.
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