Certa vez, conheci um pintor.
Por um tempo, ele coloriu meu mundo. Gosto de cores frias, azuladas. Ele prefere tons quentes. Mesmo assim, suas mãos são tão geladas quanto violeta. Juntos, formávamos um contraste perfeito de cores. Ele me iluminava. Tirava-me dos tons gélidos. Me aquecia.
Parecíamos uma pintura tão linda…
Seus quadros eram fauvistas. Precisos e sintéticos. As minhas ideias expressionistas, irracionais, subjetivas, aos poucos, aglutinavam-se a ele.
Ele gosta de Malevich e eu, de Picasso. A contraposição ideal. Fomos aderindo. Nossa tonalidade aumentava...
Ele pintava juras de amor surrealistas; falava sobre paisagens impressionistas para conhecermos juntos; traçava suavemente meu rosto como um pontilhista; dava forma a poemas do trovadorismo. Eu diluía.
Um dia, a tinta do nosso quadro secou.
Talvez tenhamos agido à la Boccioni: velozes e babélicos demais, enquanto uma cor começava a sobrepor-se à outra. Nossa nitidez se perdia. Nossa composição tornava-se confusa. Não encontrávamos a saturação certa.
Ele gosta de técnicas que valorizam o desenho como um todo. Eu apreciava o pictorialismo. Ele não mais entendia a minha arte. Eu não mais entendia a arte dele. Tornamo-nos dadaístas.
A tela não era resistente à abrasão. Aos poucos, nossa pintura craquelou-se. A intensidade da coloração diminuiu. A arte transfigurou-se: grisalha. O tempo gastou o que não era para durar. A obra compartilhada estava, agora, distorcida.
Quando conheci o pintor, achei que éramos uma obra-prima. Será que interpretei a nossa pintura sob perspectiva simbolista? Será que, na verdade, era apenas uma representação onírica?
Não era uma obra-prima. Era só um esboço anamórfico. Seu acabamento era matte.
A persistência da memória - Salvador Dalí
PS: Esse texto não passa de uma caricatura
Vc me inspira!! 💕
Linda, inteligente e sensível! Sou mtmtmtmt fã!